quarta-feira, 17 de junho de 2009

“Escola de ontem, escola de hoje”: dilemas e desafios da educação contemporânea.

Prof. MS.João Beauclair

Este texto é uma síntese de minha participação, como convidado, na Ciranda de Opiniões do II Congresso Educacional de Bebedouro, São Paulo, ocorrido entre os dias 3, 4 e 5 de setembro de 2005 , cuja proposta era a de unir alguns pensamentos em torno da questão da função da escola no tempo presente. Num mundo repleto de transformações, a escola se insere como elemento essencial aos processos de percepção e assimilação da herança cultural acumulada pela humanidade ao longo de sua evolutiva trajetória. É inegável que a escola enquanto tempoespaço cotidiano possui importante função social e, ainda, o quanto há para transformar, melhorar e fazer. Sem a pretensão de fazer um histórico sobre o seu papel na sociedade humana, lanço aqui um olhar sobre a escola, numa perspectiva de positivação de seu papel e função, indo dos campos dos dilemas e desafios até o lugar humano dos sonhos e das utopias que existe em cada um de nós.

Iniciando uma conversa:

No percurso do vivido, na tomada de consciência sobre minha própria trajetória enquanto educador tenho percebido a essencialidade da escrita e da comunicação de nossos saberes, de nossas fazeres e de nossas ignorâncias. Aqui me proponho a unir alguns pensamentos em torno da questão da função da escola no tempo presente, percebida como elemento fundamental neste nosso mundo repleto de transformações, de dilemas, de tensões e de desafios.
Hoje, a escola se insere como instituição social relevante aos processos de percepção e assimilação da herança cultural acumulada pela humanidade ao longo de sua evolutiva trajetória. A escola enquanto tempoespaço cotidiano possui importante função social e, por ser dinâmica e viva, deve sempre se propor aos movimentos de transformação, de mudança e melhoria.
Aqui lanço um olhar sobre a escola, criando uma possibilidade à nossa reflexão, dentro de uma perspectiva de positivação de seu papel e função, indo para além dos campos dos dilemas e desafios até o lugar humano dos sonhos e das utopias que existe em cada um de nós.

Dilemas: tomada de consciência.
“Todo dia ela faz tudo sempre igual...”
Chico Buarque de Holanda

Um dos principais dilemas da escola atual é a busca por uma tomada de consciência sobre o porquê das coisas. Dilema que, cotidianamente, se reflete nos fazeres, nos saberes e nas práticas: em muitos lugares, agora, neste momento, existe alguém se perguntando, se questionando porque está fazendo isto ou aquilo. Sabemos que, enquanto sujeitos humanos, só poderemos avançar em qualquer campo de nossas vidas, nos desenvolvermos enquanto humanos e sujeitos quando ampliamos nossas capacidades de reflexão. Esta capacidade de refletir, nos auxilia para o nosso aprimoramento e para o desenvolvimento de nossas competências e habilidades de pensar e de saber, de saber e de fazer e de pensar o saber fazer e fazer pensar.
Refletir criticamente sobre nossas ações e condutas cotidianas no espaçotempo escola é ampliarmos nossos olhares no intuito de, efetivamente, ver melhor, e o dilema maior é esse: buscarmos a construção de novas visões, que transcendam os limites da tradição e que ousem a construção de novas formas de ser e estar atuando em educação, seja esta a educação na escola, na família, nos diferentes espaços sociais onde interagirmos .

Desafios: reinventar a vida.
“A vida, a vida , a vida,
só é possível reinventada”
Cecília Meirelles

Se o dilema que configura neste momento de nossa trajetória atual em educação é o da busca pela construção de novas visões, irmos além dos limites das tradições presentes no cotidiano escolar é condição fundamental. Neste sentido, atuar no processo de construção do próprio projeto político pedagógico da escola é essencial. Essencial porque é no próprio projeto da escola que se define a visão que a escola adota e as diferentes maneiras de trabalhar o currículo educativo, as diferentes possibilidades de estratégias pedagógicas.
Minha aposta vincula-se a Pedagogia de Projetos conforme proposta por Fernando Hernández, onde o cotidiano escolar deve ser espaçotempo de reorganização curricular por projetos, no lugar das tradicionais disciplinas. Hernández acredita que com tais ações a escola pode estabelecer vínculos significativos na relação do sujeito que ensina e no sujeito que aprende, modo capaz de fazer com que haja criticidade no viver a vida em sociedade, no buscar consciente do conhecimento. Para este autor, o espaço vivencial da escola pode, de fato, ser modificado e a escola, em processo de movimento e de transformação, cria um cotidiano inserido numa perspectiva mais inclusiva, mais participativa e dinâmica.
Neste sentido, acredito que investir na formação continuada de educadores é tarefa mestra, condutora de possibilidades de discussão e validação dos fazeres já praticados. Nesta reinvenção do espaço pedagógico, é mister propor espaços de construção coletiva, rodas de discussões, momentos de avaliação do que se está fazendo no espaçotempo da escola, enfim criar ambientes de interação onde os diferentes atores inseridos neste contexto tenham voz e vez, ou seja, voz ativa e vez participativa. Ampliar referenciais teóricos sobre o planejamento participativo também pode subsidiar novas formar de viver os atos de aprender e ensinar. Tais dilemas e desafios nos levam aos nossos sonhos e utopias.
Sonhos e utopias:
“Sei que nada será como está
Resistindo na boca da noite
um gosto de sol”
Milton Nascimento

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Eduardo Galeano

Sonhos e utopias: é do chão da experiência cotidiana e da prática pedagógica que se deve partir para compreender a escola e a sala de aula. Sonhar com outra escola possível é continuar a discutir, a ler, a participar ativamente de encontros e momentos de continuada formação. É pensar e agir no desejo de fazer a diferença, de algum modo contribuir para que o aprender seja de fato modo de emancipar a humanidade de suas “ignorâncias”.
Sonhar uma outra escola é desejar avançar, é colocar-se em movimento de abertura para o novo, para as dúvidas, para o não-saber. A transformação da escola necessariamente envolve a modificabilidade nas relações, compreendidas como um processo de exercício de diálogo e surgimento de tensões. É no enfrentamento destas tensões que o sonho se constrói, é no encontro com as diversidades que se alicerça possibilidades de concretas transformações.
É preciso tomada de decisão, é preciso posicionamento, para sabermos que somos seres de comunhão, onde nossos movimentos nos caracterizam como sujeitos, humanos, indivíduos e coletividade interagindo de modo a construir o novo. A escola de hoje necessariamente precisa ampliar suas possibilidades empreendedoras, criar mecanismos de respeito às múltiplas inteligências, criar condições para que todos que nela se inserem sejam efetivamente mais felizes e que apostem nos sonhos individuais e coletivos.
Empreender é fazer com que a força do sonho ganhe energia para modificar a realidade, empreender é empoderar os que são destituídos de poder. Empreender é fazer valer o espaço da escola de hoje como forma de conquista de direitos e exercício de uma cidadania ativa, plural e que dignifique os direitos humanos e vivifique os valores humanos.
A escola de hoje precisa encontrar seus caminhos no plural, mas sem esquecer suas singularidades, valorizando o espaço comunitário em seu entorno, reconhecendo-se como instituição privilegiada para a mudança da ordem social imposta. É preciso ocupar espaços, ampliar ações e principalmente, reconhecer que crianças e adolescentes brasileiros precisam sonhar, ter utopias, caminhar no sentido de acreditarem em si mesmas e nos seus potenciais.
Mudar não é tarefa fácil e todos nós sabemos disso, mas o sabor da mudança emerge quando a própria escola se torna espaço vivo, pulsante, em movimento constante. O sonho e a utopia colaboram para a criação de processos e culturas novas. O sonho e a utopia são deflagradores de energias positivas vitais ao ensinar e aprender. Descobertas originais, práticas re-elaboradas, ocupação criativa de espaços e formação de parcerias com instituições e organizações afins, difundem criticamente verdades, ampliam referenciais de vida, socializa saberes e se tornam bases de ações vitais.
Percorrer novos caminhos para a re-significação do espaçotempo escola é construir referências culturais e políticas indispensáveis a uma outra visão de mundo, de um mundo mais justo, ético, fraterno e solidário. Percorrer novos caminhos não é tarefa simples de ser realizada: sempre irão surgir resistências, mas, lembrando nosso eterno Paulo Freire, educar é um ato político e exige que, para a transformação do mundo, o sonho seja vigoroso, pleno de coragem para sua realização. Sonho é aspirar ao desejo de mudança e acreditar que novos modelos de ser e estar em educação são possíveis.
Uma nova escola, hoje, deve saber que aprender a amar é um quinto pilar para a educação do século XXI. Na nossa práxis educativa é preciso a concretude pela qual todos os sujeitos se afirmam no mundo, transformando a realidade objetiva para, ao assim fazer, alterá-la efetivamente, transformando-se a si mesmos.
Para tudo isso, rever a escola de hoje é ação conseqüente, reflexiva e autoquestionadora; rever a escola de hoje é buscar teoria que leva à ação; rever a escola de hoje é transformá-la, é enfrentar os inúmeros desafios presentes nos erros e acertos e, dignamente, reaprendermos a amar . E sobre o amor, termino esta fala, termino este escrito citando um belo trecho de Teilhard de Chardin:

“Algum dia, quando tivermos dominado os ventos,
as ondas, as marés e a gravidade...
utilizaremos as energias do amor.
Então, pela segunda vez na história do mundo,
o homem descobrirá o fogo”


Referencias:

II Congresso Educacional de Bebedouro, São Paulo, ocorrido entre os dias 3, 4 e 5 de setembro de 2005. Realizado pelo Instituto Americano, cuja comissão organizadora foi presidida pelo professor Benedito Guarilha Filho. Homepage do congresso www.congressobebedouro.com.br

BEAUCLAIR, João. Olhar, ver, tecer: a busca permanente da teoria no campo psicopedagógico. In.: Pinto, Silvia Amaral de Mello, (coord.) e SCOZ, Beatriz Judith Lima et al. (orgs.) Psicopedagogia: contribuições para a educação pós-moderna. Editora Vozes, Petrópolis, 2004.

BEAUCLAIR, João. Educação por projetos: desafio ao educador no novo milênio. Publicado no site www.psicopedagogiaonline.com.br

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Editora UNESP, São Paulo, 2001.

Proponho o resgate do aprender a amar como quinto pilar para a educação do século XXI em: BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Coleção Olhar Psicopedagógico, Editora WAK, Rio de janeiro, 2004.

Postado por: Keyla Lellis Barboza

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